- Capítulo 3

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A Manhã da Mãe e Filhas




Conforme a neve derrete, a primavera chega no Reino.
Mesmo nessa cidade fronteiriça, que tem como paisagem uma selva feroz, os primeiros botões de flores, que forçam seu caminho através das rachaduras na terra seca, começam a florescer.
A pensão para aventureiros que elas estão ficando não é grande, mas contém um banheiro e uma sala de jantar, e seus quartos são grandes o bastante. Shirley, que acaba de acordar, olha para as duas pequenas garotas deitadas sobre seu peito.


Shirley: “Vocês têm seu próprio quarto, não é? Por que vocês vêm ao meu, toda noite?”

Elas simplesmente entram aqui quase dormindo ou estão fazendo isso de propósito? Ela suspira para as garotas de dez anos, adormecidas sobre ela.
No entanto, contrário às suas palavras, não há um único pingo de raiva em seus olhos. É um olhar quente e amoroso.

Shirley: “Tudo bem então”

O Sol raia e seus raios passam pelas frechas na cortina.
Dando seu melhor para não as acordar, Shirley lentamente se contorce para fora da cama e então, puxa as cobertas de volta sobre elas, acariciando seus cabelos que se parecem com os dela.
As duas lembram muito ela, com exceção dos seus olhos, que estão escondidos no sono. Shirley relaxa só por um momento, antes de começar sua rotina matinal. Depois de trocar seu pijama e lavar seu rosto, ela se dirige à sala de jantar.

???: “Bom dia Shirley!”
Shirley: “Bom dia, Senhora Martha”

A mulher de meia idade, de cabelos marrons e um físico excepcional, que a cumprimenta com um sorriso energético é Martha, aquela que dirige a pousada com seu marido.
Ela fez quarenta e um esse ano. Dez anos atrás, Martha ignorou as palavras brutas e o olhar feroz da garota, para abrigar Shirley, que agora veste um avental em sua cintura.

Shirley: “Se importa se eu usar a cozinha um pouco?”
Martha: “Sem problemas”

A Casa do Déficit é uma pequena e charmosa pousada para aventureiros viajantes, e é bem sucedida, apesar do seu nome.
No canto da cozinha, sentado silenciosamente, está o avô do marido de Martha... Ele devia ser um fã de ironia, como fundador, ao nomear esse lugar.
A pousada atende aventureiros que não tenham hospedagem permanente na cidade por uma taxa mensal e oferece refeições por um custo extra. Aventureiros que não consigam ou não queiram pagar pelas refeições podem utilizar um espaço na cozinha para fazer sua própria comida.

Martha: “Mesmo que seja você, não está cansada? Você ficou fora o dia inteiro ontem, acabando com aqueles ninhos de goblins, então você deveria comer conosco pelo menos uma vez”
Shirley: “Não, eu não estou cansada, foi só um dia normal”
Martha: “Bom, imagino que você sabe mais disso do que eu”

Ovos fritos em uma torrada acompanhados por uma salada de peixe defumado. O típico cardápio de café da manhã. Quando ela começou a cozinhar, frequentemente se machucava, mas depois de anos de experiencia ela se acostumou a isso.

Martha: “Além de lutar todos os dias, eu realmente te admiro por achar algum tempo para cozinhar para aquelas duas, sabe. Não é o tipo de atitude que se recebe normalmente de um aventureiro”

Lutar contra monstros e vilões dia após dia. Não há muitos aventureiros que possam fazer isso e não estar física e mentalmente esgotados fora do trabalho.
Como Martha diz, normalmente aventureiros fazem o que podem para vagabundear e relaxar na cafeteria quando não estão em serviço. Não se dando ao trabalho de cozinhar para si mesmos.
Na realidade, entre os residentes, Shirley é a única que usa a cozinha. E é raro o dia em que ela não a usa.

Shirley: “...Porque nossas vidas estão em jogo todos os dias”

Mantendo um olho em seu trabalho, Shirley murmura.

Shirley: “Nesse mundo, seja você um aventureiro ou uma pessoa normal, nunca se sabe quando seu tempo vai chegar. Eu só quero dar o melhor de mim com o tempo que tenho”

Ela cora um pouco, porque é embaraçoso de dizer, mas é o que ela sente honestamente.
É verdade que existem muitos outros trabalhos mais seguros do que o que ela faz.  No entanto, desde que avançou pelos ranques dos novatos, ela agora ganha o suficiente para manter a sua família em um relativo conforto, comparado às outras casas.
Não é apenas o problema de ganhar menos dinheiro, mas a natureza do trabalho de aventureiro, quando comparado a profissões mais seguras, a permite escolher suas horas de trabalho, o que lhe permite gastar mais tempo com suas filhas.
E, acima de tudo isso, Shirley ainda é uma criminosa procurada no Império. Por sorte, não há nenhum tratado de extradição entre o Império e o Reino, mas uma mulher vagabunda que não quer revelar seu passado não é exatamente a contratação mais desejada.

Shirley: (Eu realmente calculei mal, não é?)

Ao se registrar como aventureiro, não há investigações sobre circunstâncias pessoais, seja vagabundagem ou histórico criminal. Logo, desde o início, ser uma aventureira era o único caminho disponível para Shirley.
No entanto, ela fica no ranque B de propósito, já que ela está preocupada que seu nome se espalhe demais pelo mundo.

Shirley: (Mesmo que pareça arrogância, isso é um grande problema para mim)

Martha sorri com a resposta dela.
Nos nove anos em que Shirley e Martha se conhecem, Shirley não aparenta ter envelhecido um único dia. Mas Martha sempre a vê como uma mãe madura em momentos como esse.

???: “Mamãe, Martha, Bom dia~”
Shirley: “Ah, Bom dia Sophie!”
Martha: “Bom dia”

Enquanto Martha admira Shirley com reconfortantes olhos, duas garotas de cabelos brancos entram na sala de jantar.
Diferente do olhar afiado da Shirley, a primeira garota tem gentis olhos azuis, a linda gêmea mais velha, Sophie.
Já há muitos aventureiros no salão de jantar e, claro, seus olhos se viram para olhar. Especialmente os homens. Mesmo que elas sejam pequenas, aquela beleza inocente que é um reflexo da sua mãe não é diminuída pela sua juventude. É natural que as pessoas as encarem.

Sophie: “Poxa Tio! Para de se apoiar em mim e ande por conta própria!”
Tio: “Nn... Bom dia, mãe”
Shirley: “E um bom dia para você também, Tio”

A irmã mais nova sendo arrastada para a sala de jantar por Sophie é Tio, que tem dificuldades para se levantar pela manhã.
Se a irmã mais velha pode ser comparada com um anjo, então ela seria uma fada. Diferente da sua mãe e irmã mais velha, seus sonolentos olhos vermelhos não são tão marcantes, mas em qualquer outro aspecto, ela não perde para sua irmã em termos de charme e beleza. Junto com sua personalidade quieta, ela parece com um personagem que saiu de um conto de fadas.

Shirley: “Por favor, esperem só mais um pouco, já vai ficar pronto”
Sophie: “Ah, então eu vou pegar os pratos!”
Shirley: “Oh, por favor!”

Vendo as duas garotas tomarem a iniciativa para ajudar a sua mãe, Martha dá um tapinha na cabeça delas, como um encorajamento.

Martha: “Ah, vocês duas são grandes ajudantes! Se ao menos minhas próprias filhas aprendessem com vocês!”

Martha tem dois filhos e duas filhas. Ambos os filhos são independentes e atualmente estão ganhando experiencia para um dia assumir a pousada, mas suas filhas são ambas vagabundas que só sabem gastar mais dinheiro do que tem.
Graças a ter tais filhas, Martha e seu marido mimam infinitamente Sophie e Tio. Já que as garotas também amam os dois, Shirley sempre se sente à vontade deixando-as aos seus cuidados quando ela precisa trabalhar.

Sophie: “Não, não é nada de mais, você sabe”
Tio: “...Isso é embaraçoso...”

Enquanto Sophie e Tio estão sendo elogiadas, Shirley quase bufa de orgulho, ainda bem que ninguém nota.
Qualquer coisa trivial que possa ser, não há mãe que não se sinta feliz em ver suas filhas sendo elogiadas.
Mesmo que alguém a considere exagerada ou boba, ela não liga, ela só está feliz que as pessoas veem as suas filhas dessa maneira.
Dito isso, ela não está prestes a começar a se gabar. Em uma tentativa desesperada de manter a sua dignidade como uma mãe intacta, Shirley luta com unhas e dentes para suprimir um sorriso bobo enquanto prepara o café da manhã em silêncio.

Shirley: “Bem, então, vão em frente”
Sophie: “Yeah!”
Tio: “Obrigada pela comida”

É uma cena fora de lugar em tal tipo de pousada.
Alguns dizem que a sala de jantar da pousada é limpa e minimalista, mas pessoas mais honestas dizem que é modesta e simples. Ainda assim, toda manhã, no mesmo canto do salão, essas três beldades de cabelo branco têm seu café da manhã e atraem os olhares de todos os aventureiros no lugar.
Para um observador que não sabe das circunstâncias, a visão dessas três fazendo sua refeição parece pitoresca.
Mesmo quando estão apenas tomando café da manhã, a beleza dessas três atrai olhares invejosos das mulheres e admiração dos homens.
Com a mesa de jantar sendo banhada pela luz da janela acima, a visão parece uma pintura de um mestre artista. Essa gentil cena termina por conta da Tio.

Tio: “Ah é, aquele garoto que se declarou ontem para você Sophie, vocês estão saindo agora?”
Sophie: “Fueee!?”

Nesse momento, todo o salão de jantar... não, toda a pousada mergulha em uma estranha combinação de uma gelada intenção assassina com uma paixão ardente.
Mesmo em seus quartos, os aventureiros em todo o edifício sentem uma pressão como se estivessem prestes a lutar contra um adversário terrível.
Aqueles que ainda estavam dormindo, pulam de medo com a repentina sensação, enquanto tentam desesperadamente descobrir de onde tudo isso vem.
O único lugar que eles nunca considerariam que tal intenção assassina, irradiada por todo o prédio, viria, é daquela cena de café da manhã pacífica no canto do salão.

Sophie: “P-p-p-p-por que você sabe sobre isso!?!?”
Tio: “Foi um acidente. Eu simplesmente vi por acaso. Achar que ninguém nunca vai aos fundos da escola é um grande erro”
Shirley: “...Hmmmm... Então é isso....?”

A fonte daquela intenção assassina, cujo murmúrio parece vir das profundezas do inferno, é de ninguém mais nem menos do que Shirley.
Mesmo que todos os aventureiros estejam tremendo com a pressão, aquelas duas jovens garotas não parecem nem um pouco afetadas.
Tentando descobrir por que ela está tão brava, os mais corajosos aventureiros erguem os ouvidos tentando ouvir.

Sophie: “De qualquer forma, eu disse não, eu nem conheço aquele garoto direito...”
Tio: “Hmm... Eu achei que ia atrapalhar se ficasse ali, então eu sai logo, mas parece que me preocupei por nada”
Shirley: “...Haa”

A intenção assassina de repente desaparece.
Imaginando se a Espada Branca Demoníaca se acalmou, os aventureiros tentam seu melhor para dar uma olhada.

Sophie: “De qualquer forma, Tio, eu vi que você também ganhou uma carta de amor! Agora é sua vez de se explicar, certo?”
Tio: “Muu... Então você viu...”

E estamos de volta à estaca zero.
A Casa do Déficit é inundada por uma fúria assassina que ameaça, mais uma vez, desabar o prédio. Desta vez, os residentes tem visões de uma calamidade branca cortando e rasgando todos os presentes, e então eles começam a entrar em pânico.

Sophie: “E então? De quem é?”
Tio: “Kevin, da primeira série”
Sophie: “Ohhh! Ele é muito popular com as garotas! E então, vocês estão saindo agora...?”
Tio: “Eu ainda não respondi”

A palpável sede de sangue se torna ainda mais densa enquanto a história prossegue. Nesse ponto, metade dos aventureiros já desmaiaram.

Sophie: “...Entendo. Tem um menino assim? Como mãe, eu tenho que fazer algo...”

A voz que murmura isso tem uma insinuação assustadora.
As suas filhas são as coisas mais fofas do mundo todo. Faz sentido que elas sejam populares entre as outras crianças, e que queiram formar um relacionamento especial.
Quando esse tipo de coisa acontece, o pai normalmente se opõe, enquanto a mãe quer zelar por essa relação com um olhar gentil.

Shirley: (MAS AQUELE PAI ABSOLUTAMENTE NÃO É BOM!!)

No entanto, no caso dessa mãe, parece que as posições estão completamente invertidas.
Os aventureiros tentam terminar suas refeições o mais rápido possível para evacuar, mas a comida está ficando presa em suas gargantas.
E finalmente por fim, alguns aventureiros começar a orar. Mas o fim desse drama vem tão rápido quanto começou.

Tio: “Eu vou recusar de qualquer forma. Eu não consigo pensar em ninguém dessa forma por hora. Para mim, é só a mãe”
Sophie: “Ehehe, para mim também!”

No momento em que ambas abraçam os braços da Shirley de ambos os lados, a intenção assassina desaparece mais uma vez. Mas ao invés de ser substituída por uma aura de alegria, uma timidez agradável toma o lugar.


Shirley: “Ah, vocês duas! Parem! Na mesa não!”
Sophie e Tio: “Siiim!”

Mesmo que ela esteja tentando soar digna e severa, as palavras saem em um tom agudo e embaraçoso.
O demônio que aos olhos dos aventureiros iria engolir o mundo inteiro, é substituída por uma mãe tola e amorosa que sorri, contra sua vontade, para as suas filhas.
Mais tarde, rumores se espalham de que os residentes das Caso do Déficit desenvolveram, sem explicação nenhuma, resistência contra auras demoníacas, mas isso é história para outro momento.

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